quinta-feira, 24 de março de 2011

Gelei

Existem algumas sensações que são raras e inconfundíveis. Reunir a (pouca) coragem para sair do lugar, passar no meio das pessoas e finalmente chegar em frente à menina pra puxar assunto com ela é uma sensação de nervosismo única! Passar pelo portão da escola em direção a rua e pisar na calçada da rua no último dia de aula e dizer pra si mesmo "acabou...", contemplando os dois meses de vagabundagem (também chamada de férias) a sua frente é uma sensação de felicidade única! Ouvir o despertador tocar e em meio a angústia do sono perceber que hoje é sábado e o relógio despertou por engano é uma senação de prazer única!

Tem outra sensação inconfundível que muito provavelmente você conhece. Aquele frio na barriga que dá quando você é pego "com a boca na botija", logo depois de ter feito algo errado. O frio agudo na barriga e a falta de firmeza nas pernas e a voz embargada são instantâneos. Tenho algumas histórias pra contar sobre dar mole e fazer algo errado, e pior, dar mole e ser descoberto! A primeira que vem à cabeça, porém, é a única que vai ao teclado:

Devia ter uns 10 anos. Costumava andar de bicicleta com meu irmão e um amigo nosso no condomímio onde morávamos. Como era o menor, sempre ficava com a pior bicicleta, daquelas que te deixam na mão nos momentos mais importantes, como correr de algum cachorro ou fugir rápido da cena do crime. Enfim, era um sábado à noite e meus pais tinham saído. Eu, meu irmão e nosso amigo estávamos indo pra algum lugar dentro do condomínio, quando a correira da minha bicicleta mais uma vez saiu. Muito irritado, desci do camelo pra recolocar a maldita. Depois de longos 2 minutos consegui e agora era a hora de sair correndo para alcançar meus companheiros egoístas e não-solidarios, que tinham ido embora sem me esperar.

Minha pressa era tanta que quando passei na praça do condomínio, onde alguns carros estacionavam, fui passar em meio a dois veículos e bati no retrovisor de um deles, que veio parar no meu colo. Na hora o já citados frio agudo na barriga e falta de firmeza nas pernas me assaltaram. Tentava pensar rápido, mas não conseguia. Decidi então largar aquele retrovisor no capú do carro e sair dali o mais rápido possível. Só torcia para a a correia daquele ferro velho não saísse. Tudo estava saindo bem com minha fuga quando escutei o famoso grito de repreensão que todo aquele que fez merda tem medo: ÔôÔôÔôÔôÔô...

Gelei. A voz não parecia vir de perto. Mais parecia que vinha do alto, como se o Batman, no galho de alguma daquelas mangueiras, ou o próprio Deus tivesse me chamando a atenção para o que eu estava fazendo! "Não foge não!!". Parei. Procurei. Vi. Era um cara (o dono do carro, descorbiria depois) que estava no terraço de uma casa em frente a praça e viu tudo. O nome disso é flagrante. Disse que eu teria que pagar o prejuízo dele. Eu disse que só tinha 10 anos. Ele disse pra eu chamar meu pai. Eu disse que meu pai tinha saído. Ele, não acreditando, disse que eu teria que ficar ali na praça até meu pai chegar. Assim fiquei. Quer dizer, ficamos, porque em algum momento meus amigos vacilões deram falta de mim. Eu, meu irmão e nosso amigo ficamos "mofando" ali até altas horas.

Depois de muito tempo, meu pai chegou, deus 20 pratas pro cara e a gente foi liberto. A única coisa boa dessas histórias de perrengue é lembrar depois, pois acabam virando aventuras divertidas. Tipo as cicatrizes que a infância nos imprime. Ninguém lembra da dor na hora de falar delas, só fala das estripulias, da coragem, da "arte". Rola um orgulhosinho ao lembrar dos tombos, né? Hoje é engraçado, mas quando eu escutei aquele grito flagrador vindo do céu, eu ali, com a prova do crime (o retrovisor) nas mãos, namoral, não passava nada!

[Novos textos sempre às terças e sextas]
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3 comentários:

Anônimo disse...

Hahahahah, adorei a história!!!
Só discordo de uma coisa, quando eu vou contar a história das minhas cicatrizes dou muita ênfase sempre no quanto doeu e no quanto sangrou! Me sinto super fortona e valentona: aquela que já aguentou todo sofrimento que a vida pode trazer! rs.
Beijão!
Ah, quando escrevi o post "Todas elas juntas num só ser" só lembrava de você pois eu tinha certeza que vc gostava dessa música, ainda que nunca tivesse me dito isso! =D

Anônimo disse...

Jônatas, as crônicas se aperfeiçoaram, parece que com o tempo que vc vem escrevendo, está realmente tornando a escrita natural, muito bons textos estes últimos 3 (as ilustrações é que podem dar uma melhorada, né? hehe). Sobre o crime perfeito, Rubem Fonseca, lança um desafio: em todo crime temos o ato criminoso e temos que descobrir o assassino, tentemos o contrário, vamos dar o criminoso e pensar que crime ele pode cometer.

Priscilla Acioly disse...

Eu, particularmente, gosto muito das ilustrações que você escolhe! E tenho também alguns momentos "gelei" na minha vida, alguns tensos, outros bizarros e ainda os hilários... haha.

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