Não vou perder tempo explicando o inexplicável, o fato é que tenho medinho de lagartixa. Ela fica lá paralisada na parede e do nada se mexe freneticamente atrás de um mosquito, fora isso, em situações de pergigo se desfaz do rabo. A isso se resume a vida de um animalzinho desses, mas é esse bicho que me dá nos nervos. Se uma lagartixa está no cômodo, eu saio. Eu tenho que vê-la morrendo ou indo embora, caso contrário, não alcanço paz de espírito. Se ela some atrás da estante ou do sofá, já era - angústia total. Antes que você me ache o mais idiota dos homens, quero dizer: eu sei que isso é o calcanhar de Aquiles da minha masculinidade.
Agora, eu não sou resignado com isso não. Sei que é maroto e sempre que vejo tal criatura, me esforço para vencer minhas barreiras psíquicas. Mas o dia em que absolutamente avancei sobre elas e investi toda a energia possível pra estinguir de vez esse medinho ridículo, foi o dia da derrota em que mais me senti subjulgado por ele.
Cheguei na casa do meu pai e não tinha ninguém lá. Subi as escadas e entrei no meu quarto. Larguei a mochila na cama e acendi a luz do quarto. Instantaneamente vi a lagartixa na minha parede, do tamanho de um calango bem alimentado, a uns 50cm do meu armário. Pensei rápido, se ela fosse pra trás do móvel, teria que dormir na sala e isso seria o cúmulo da frouxidão. "É hoje" - pensei, decidido - "É hoje que essa história chega a seu fim".
Corri escada abaixo, peguei uma vassoura e voltei correndo, já me sentindo liberto de meus grilhões interiores. Ao chegar novamente no quarto, ela ainda estava lá, no mesmo lugar, olhando para mim e respirando freneticamente como se prevesse o perigo. Teria que ser um único golpe, se eu errasse o alvo, ela iria para trás do armário e eu poria tudo a perder. Me aproximei vagarosamente já com a arma (vassoura) em punho. Ao alcançar a distância exata, respirei fundo e soltei um Meteóro de Pégasus na pequena monstra! Era o fim do meu medinho? Minha vitória absoluta sobre a besta?
Não. Mal sabia que minha vitória se transformaria na pior derrota. Meu golpe foi tão furioso que a bicha caiu no meu do quarto, partida em duas! Na verdade em três, já que o rabo pulou na sua clássica artimanha de defesa. O rabo mexia loucamente enquanto a parte de cima do corpo, ainda viva, tentava fugir com as duas patas dianteiras e um olhar desesperado. Entre as duas metades, esparramado no chão do meu quarto, havia sangue e, juro, órgãos! Um rico material orgânicao consideravelmente colorido.
Ao ver aquela imagem - putz - fiz a pior careta da minha vida e fui fuzilado pelo sentimento de nojo. Pensei 10 segundos e tomei a decisão mais sábia para aquele momento: saí do quarto e fui ver TV. Fiquei na sala até ter certeza de que voltaria e ela estaria inerte e morta. Assim fiz. Depois de uns 10 minutos, voltei e fiz o serviço do rabecão. Joguei o difunto fora, limpei o chão e tive total clareza: a lagartixa é mais forte que eu.
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3 comentários:
putz, isso é um fato pra ser apagado da memória, não para ser divulgado ao mundo.
Depois deste texto te recomendo o livro: O VENDEDOR DE PASSADOS, do José Eduardo Agualusa. Dá uma olhada na capa: http://www.travessa.com.br/O_VENDEDOR_DE_PASSADOS/artigo/a5bd897b-a90c-4365-9752-e4204f42e287 - Se bem que essa tá pequena, procura maior depois. Abraço
Meu pai conta uma história muito engraçada sobre lagartixas também. Ele sempre diz que ele um dia foi dormir e durante o sono, ele sonhou que estava brincando de "pegar passarinhos" na mão. Quando acordou, estava segurando duas lagartixas, uma em cada mão. Hahahaah.
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