quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Espelho


Acordo. A voz de minha mãe parece nunca desaparecer. É como um mosquito que rodeia a cabeça na hora de dormir. Um som que vem de 'não sei onde' e vai pra 'sei lá...'. Não há quem mate o mosquito no escuro, e não há como evitar ouvir a voz dela falando as mesmas coisas que falou durante tanto tempo.



Levanto da cama. Escuto lá da cozinha "Beto, a primeira tarefa do dia é fazer a cama..!". Pois então faço. Sempre fui bom filho. Na verdade sempre fui bom com todos. No colégio, trabalho, na rua onde cresci. Nunca odiei ninguém. Ah, tá bom vai, quando a Karen beijou o Bruno eu quis partir a cabeça dele com um machado e dar a língua dele pra um vira-lata comer, mas sabe como são essas coisas né... ódio de amor não conta.


Ponho uma roupa. Aliás, que fim levou Anna Lúcia? Que par de olhos!, nunca pensei que Aninha acabasse sendo mais bonita, mais inteligente, mais interessante, mais tudo que a irmã. Deve tá casada já, se bobiar. Não me admiraria. Aliás, aquela galera deve toda achar que eu também já estou. Casado, com dinheiro no bolso, carro na garagem, sorriso no rosto. Principalmente sorriso no rosto, também, vivia fazendo palhaçada, rindo e fazendo rir. Impressionante como o futuro é um soco irônico no meio da cara.


Caminho até o banheiro. Quarto e sala na Lapa, centro do Rio. Tanta gente ao redor e um verdadeiro deserto. Um paradoxo insuportável. A solidão materializada dentro da TV. "Quem vê esses filmes no meio da madrugada?" - eu pensava quando era moleque. Essa época do ano é uma droga. Depois do fim do campeonato brasileiro tenho me sentido ainda mais só, a que ponto eu cheguei. A torcida no Maracanã era o único lugar onde eu estava acompanhado de verdade. Patético.


Espelho. Esses dias chegou um amigo aqui em casa, acho que ele veio pra ficar. Na verdade acho que ele está preparando a vinda de outros. Impressionante o que o primeiro fio de cabelo branco faz com a cabeça da gente. Não do lado de fora, é só um fio, mas dentro da cabeça mesmo. Meu pai deve ter tido cabelos brancos muito cedo. Talvez seria uma das perguntas que faria pra ele se eu o encontrasse... ou não.


Pego o jornal na porta. Hoje é dia 31/12. Penso durante 5 segundos. É como ouvir alguém falando bem do fulano. Você escuta elogios ao fulano durante 5 minutos, depois você encontra outro alguém que lhe diz "fulano? Cuidado hein...". É o suficiente. Dane-se, é fato que o fulano não é confiável. Existem falas que são como bombas dentro de nós. Fazem buracos profundos. Marcas. A bomba que estoura agora: Eu tenho 29 anos, hoje é dia 31 de dezembro e em 2009 eu não abracei ninguém.

1 comentários:

Priscilla Acioly disse...

Direto e profundo esse texto. Jônatas, por favor, não pare de escrever assim.

Postar um comentário

 
◄Design by Pocket, BlogBulk Blogger Templates. Blog Templates created by Web Hosting