sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Rato


Diz minha mãe que estava sozinha em casa num daqueles momentos que só as mulheres são capazes de construir: fazendo a unha, falando ao telefone com sua irmã (vulgo, minha tia) e assistindo a novela - concumitantemente, paralelamente, bagunçadamente ordenadamente, tudo ao mesmo tempo. Atenção difusa é uma nobreza que pertence ao universo feminino, mas minha mãe é um caso a parte. Sua atenção se espalha de forma especial. Tanto é que mesmo fazendo tudo isso que disse que ela estava fazendo, não passou despercebido o camundongo que passeou livremente, com sua longa calda, saindo de trás da estante e entrando calmamente na cozinha. Para tudo. Hoje, trago a história do ratinho que mobilizou minha família certa vez.

Morávamos numa casa muito legal, de dois andares, um bom quintal e tal. O condomímio era bom, mas a aparição de roedores não era novidade para a vizinhança. Nossa casa, porém, nunca tinha tido tal problema, pelo menos até à noite que minha mãe conheceu o novo inquilino. Um contexto interessante logo se estabeleceu. Meu pai não é lá muito corajoso, mas como eu e meu irmão não passávamos de dois pirralhos (talvez 14 e 12 anos), coube ao patriarca a plena missão de caçar e neutralizar o rato. Não só para a tranquilidade de espírito de minha mãe (que perdeu seriamente o sossego), mas também para a construção do velho mito do pai-herói em seus pinpolhos adolescentes. No dia seguinte, ele chegou em casa com uma ratoeira e os olhos brilhando de instinto assassino! Ratoeira? É, ratoeira.

Eu, que só via ratoeira no Tom e Jerry, curti. Minha mãe perguntou se não seria melhor colocar veneno. Meu pai, muito sabido, respondeu negativamente com o desdém de quem não quer explicar a leigos que a ratoeira é, segundo sua vasta experiência (?), o modo mais eficaz de despachar o invasor. Fomos para os fundos da casa montar a armadilha. Eu, vivendo intensamente este momento de considerável carga lúdica, assisti meu pai colocando o pãozinho e deixando a arapuca no brilho, prontinha pra esmagar a cabeça do rato. No domingo de manhã, fomos à igreja e deixamos a ratoeira no centro da sala - até então, único local onde o ratinho tinha sido avistado. Era o fim do roedor! Pelo menos, assim pensávamos.

Na volta da igreja, no carro, o assunto era um só: será que o mickey tinha batido as botas!? Saímos do carro meio afoitos - neste momento, "adultos" e "crianças" era de todo ansiedade, engraçado lembrar disso. Engraçado também deve ter sido nossas caras quando entramos na sala e vimos a ratoeira intacta. Quer dizer, intacta não, faltava um pão. Minha mãe logo disparou aquele olhar que, assim como a atenção difusa, também pertence ao universo feminino. O olhar como que dizendo "te falei que o veneno...". Mas o universo masculino também tem suas manias e obviamente meu pai se sentiu desmoralizado pelo seu mais novo inimigo e decidiu armar uma ratoeira ainda mais "na maldade" pra sangrar o roedor! E assim fizemos! Pra encurtar a história, nos dias seguintes o ratinho fez alguns sandubas com nossas ratoeiras. Entre pão e queijo, ele foi enxendo a pança. Que rato safado! Ele era muito sagaz. Pegava a comida e metia o pé.

Em dado momento, meu pai se rendeu ao veneno e passamos a ter duas frentes no combate ao camundongo. Se não fosse a ratoeira, seria o veneno. E assim vivemos dias de suspense. Sempre que alguém entrava num cômodo, o ato de ligar a luz trazia certa apreensão. Se alguém ficava sozinho em casa, pior ainda. E as clássicas recomendações pros filhos antes de sair de casa, passaram a conter "e se virem o rato, me liguem...". Mas a história em breve teria um fim.

Na época eu era uma pessoa errante, com um parafuso a menos, ou seja, tocava bateria. Ainda não tinha encontrado o unirso das harmonias musicais e vivia na escuridão bárbara dos batuques. Enfim. Numa manhã de sábado estava, como fazia muito na época, num quartinho que era separado da casa, onde tinha total liberdade para tocar o instrumento com vigor. O procedimento era esse: levava meu discman (lembrem-se: são meados 1999, 2000) com o CD do Paralamas, colocava-o num banquinho do lado da bateria e acompanhando a música. Bem, se tratando de João Barone, estava mais pra "perseguir" a música do que propriamente acompanhar, mas isso não vem ao caso. Toquei o álbum inteiro, talvez por uma hora, até que cansei. Quando fui pegar o discman no banquinho pra sair do quarto, o mesmo quedou-se ao chão, caindo perto do meu pé. Me agachei pra pegar e grande não foi minha surpresa quando vi que ao lado do discman, e ao lado também do meu pé, encontrava-se o difunto mortalmente envenenado do rato.

Ele estivera bem ali durante todo o tempo, bem do ladinho do meu pé. Deixei o dicsman no chão mesmo e saí apressadamente (pra não dizer "correndo") do quarto cheio de calafrios pra espalhar a boa nova - que naquele momento não tinha a menor cara de "boa" pra mim. Lembro ainda de meu pai depositando o corpo num pote de sorvete Kibon pra jogá-lo fora - cena bizarra. Mickey Mickey... Nos deu uma canseira. Mas no final, teve o que merece, rato safado!
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1 comentários:

Nath disse...

adorei a sua postagem e também gostei demais do seu Blog ! com certeza ja estou te seguindo !
me segue também ???
http://louca-atitude.blogspot.com

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