sexta-feira, 15 de julho de 2011

Porteiro


Descemos pro play e começamos a jogar bola. Éramos só três meninos e por isso não tinha muita graça. Eu, meu irmão e mais um vizinho. Os nossos outros dois amigos que sempre jogavam com a gente não estavam dessa vez, por isso não tínhamos outra escolha a não ser ficar batendo bola sem objetivo. Acho que era sábado. Sábado de manhã.

De repente a bola foi mal tocada por um de nós, e mal dominada por outro. Escapou. Se perdeu pra além do lugar onde estávamos. Antes, porém, que um de nós fosse buscar, ela voltou. Não por si só, mas nos pés de alguém, o porteiro.

Durante muito tempo o porteiro do Ed. Leonardo Nogueira foi o Seu Bené, um senhor manco que ficava na dele na maior parte do tempo, a não ser quando a gente corria no lugar que não podia - aí ele decidia falar: dava esporro e reclamava da vida como que dizendo que a gente não tinha ideia de como a vida dele era difícil. Como se crianças de 10 anos pudessem entender isso.

Antes do Seu Bené teve outros porteiros, mas não lembro deles, com a exceção desse que tocou a bola de volta. Ele trabalhou lá no prédio durante pouco tempo. Era um cara negro, muito escuro, forte, que usava sapatos pretos muito bem lustrados. Não lembro do rosto dele. Na verdade, a única lembrança que tenho dele é desse dia, do futebol.

Ele não só trouxe a bola de volta, como jogou com a gente. Deixou o serviço pra lá e decidiu brincar com aquelas três crianças. E ele jogava muita bola! Lógico que minha memória infantil tende a fantasiar um pouco, mas não importa, é o que eu lembro. O porteiro sem nome fazia embaixadinhas com facilidade, tocava, dominava, driblava a gente. Nós três tentávamos tirar a bola dele e mesmo em 3 contra 1 não conseguíamos.

No princípio, tentou jogar discretamente, sem fazer muitos movimentos, como que só "colaborando" pra nossa diversão. Mas aos poucos foi se soltando e depois de um tempo já estava todo suado. De repente, disse qualquer coisa sobre voltar ao trabalho e se foi. Cansados, sentamos no chão e ficamos por ali, sendo crianças numa manhã de sábado.

Depois daquele dia, ele sumiu. Acho que foi demitido. Quem sabe virou jogador profissional nas Oropa. Ou foi lavar o chão de outro prédio. Não sei o nome dele. Posso chamá-lo de Edson. É... Edson. A negritude e a habilidade do rei Pelé.
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1 comentários:

Anônimo disse...

tsc tsc... demitiram o cara. sinta culpa. rs

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